Quando Natália Araújo, secretária municipal de Educação de Belo Horizonte, recebeu os primeiros números do Censo Escolar da Educação Básica 2024, ficou clara a dimensão do problema: mais de 13 mil estudantes abandonaram a rede pública entre 2023 e 2024. A queda afeta principalmente o ensino médio, que perdeu 2.720 matrículas, e põe em risco o futuro de milhares de jovens da capital mineira.
Contexto histórico da matrícula em BH
Os números não mentem. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) mostram que, em 2014, a rede pública de ensino básico de Belo Horizonte tinha 110.838 alunos nos primeiros anos. Em 2024 esse número despencou para 94.720, uma queda de quase 15%. Enquanto isso, as escolas privadas mantiveram o quadro estável – 42.653 alunos em 2014 contra 43.674 em 2024 – indicando que a migração ocorre de forma quase unilateral para o setor privado.
A tendência nacional confirma o padrão local: o Censo da Educação Básica aponta 47 milhões de estudantes matriculados no país, mas a rede pública perdeu cerca de 500 mil alunos nos últimos dois anos, enquanto o segmento privado cresceu quase 5% desde 2022.
Os números do Censo 2024 e a "distância etária"
O levantamento preliminar indica que 10.000 crianças da rede municipal vivem situação de "distância etária" – ou seja, estão dois ou mais anos atrasadas em relação à série que deveriam cursar. Essa condição já era preocupante antes da pandemia, mas se agravou significativamente nos últimos três anos.
Segundo a UNICEF, baseada nos dados do Censo 2024, um em cada dez estudantes da educação básica no Brasil enfrenta esse problema. Em Belo Horizonte, a taxa está acima da média nacional, refletindo os efeitos colaterais da COVID‑19 nas famílias da capital.
"Depois da Covid, percebemos que muitas famílias ficaram desorganizadas com a obrigação de levar os filhos à escola. Infelizmente, esse compromisso está sendo deixado de lado e o direito à educação está sendo negligenciado", explicou Araújo em entrevista ao jornal local.
Impactos concretos da queda de matrículas
A redução de 13 mil alunos vai além de números; afeta a composição das turmas, a alocação de recursos e a qualidade do ensino. Salas vazias geram subutilização de professores, enquanto escolas superlotadas nas áreas mais vulneráveis carecem de infraestrutura mínima.
Especialistas apontam que a perda de alunos no ensino médio eleva a taxa de desistência, que já havia alcançado 5,9% em 2021 – o pico registrado durante a pandemia. Cada abandono representa não só um risco de exclusão social, mas também um ônus financeiro para o Estado, que investe em políticas de retenção e recuperação de aprendizagem.
"A desistência no ensino médio tem um efeito dominó: diminui a qualificação da força de trabalho futura e aumenta a vulnerabilidade socioeconômica das famílias", alerta Dr. Carlos Silva, pesquisador do Centro de Estudos em Políticas Educacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Respostas da Prefeitura: programa "Fica" e novas estratégias
Para conter a evasão, o governo municipal lançou o programa "Fica", que monitoriza a frequência dos estudantes e aciona o Ministério Público e o Conselho Tutelar quando houver negligência familiar. A iniciativa inclui ainda a criação de salas de contraturno e um quinto turno com professores dedicados, buscando recompor o aprendizado perdido.
Além disso, a Secretaria Municipal de Educação está ampliando o apoio psicossocial nas escolas, com equipes multidisciplinares para identificar fatores de risco como violência doméstica e problemas de saúde mental, que costumam estar na raiz da evasão.
"O objetivo é não apenas trazer os alunos de volta, mas garantir que permaneçam na escola. Para isso, precisamos de ação integrada entre educação, assistência social e saúde", afirmou Araújo.
Perspectivas e análises de especialistas
Analistas concordam que a solução passa por políticas de longo prazo, como a ampliação de creches e pré-escolas públicas, que já vêm mostrando resultados positivos: a matrícula em creches subiu para 4,1 milhões de crianças no país, embora ainda esteja distante da meta de 5 milhões.
O professor Mariana Lopes, da Associação Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (ANDM), destaca que "o investimento em educação infantil é a porta de entrada para manter os alunos na rede ao longo da vida escolar".
Por outro lado, a expectativa de retorno dos alunos à rede pública depende também da estabilidade econômica das famílias. O aumento dos custos de vida pós‑pandemia tem forçado muitos pais a buscar alternativas privadas, acreditando que a qualidade será superior, ainda que os custos sejam mais altos.

O que vem pela frente?
O Censo 2024 ainda está em fase de consolidação. Enquanto isso, a equipe da Secretaria de Educação planeja divulgar um relatório detalhado até dezembro, com metas trimestrais de recuperação de matrículas. A longo prazo, a proposta inclui a criação de um plano municipal de educação pós‑pandemia, que alinhará recursos estaduais e federais com estratégias locais.
Se a cidade conseguir reverter a tendência, poderá servir de modelo para outras capitais brasileiras que enfrentam o mesmo dilema. Mas a janela de oportunidade é estreita; cada semestre de perda aumenta o risco de um problema estrutural permanente.
Perguntas Frequentes
Por que a matrícula na rede pública de BH caiu tão drasticamente?
A queda reflete a combinação de fatores pós‑pandemia: desorganização familiar, aumento da evasão e migração para escolas particulares, além da persistente “distância etária” que afeta 10 mil estudantes da capital.
Quem é a responsável pela política de combate à evasão?
A Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, sob a gestão da secretária Natália Araújo, implementou o programa "Fica" e outras ações de acompanhamento.
O que o programa "Fica" faz na prática?
Ele rastreia a frequência dos alunos, alerta as famílias sobre ausências, e aciona o Ministério Público e o Conselho Tutelar quando houver risco de negligência, além de oferecer contra‑turnos e apoio psicossocial.
Qual é a perspectiva dos especialistas para o futuro da educação pública em BH?
Especialistas acreditam que, sem intervenções robustas – como ampliação de creches, apoio à família e integração de políticas sociais – a tendência de perda de alunos pode se consolidar, comprometendo a qualidade do ensino e a inclusão social.
Como a situação de Belo Horizonte se compara ao cenário nacional?
A capital está acima da média nacional de “distância etária” e de evasão no ensino médio, refletindo um problema mais intenso que o registrado em outras grandes cidades, embora a perda de 500 mil alunos na rede pública seja uma tendência geral no Brasil.
Verônica Barbosa em 7 outubro 2025, AT 04:58
É inconcebível que pais abandonem a obrigação moral de garantir educação aos filhos.