TRE-SP abre 51 seções em presídios para 2.729 presos provisórios votarem em 2024

O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) instalou 51 seções eleitorais dentro de presídios e unidades de internação de 27 municípios paulistas, permitindo que 2.729 presos provisórios e jovens internos exercessem seu direito de voto nas Eleições Municipais de 2024São Paulo em 6 de outubro. A iniciativa, rara em eleições municipais, reflete um esforço concreto para garantir direitos constitucionais a quem ainda não foi condenado — e que, por isso, não perdeu a cidadania. Surpreendentemente, 75% dos aptos compareceram ao primeiro turno, uma taxa que supera a média nacional de participação em eleições locais.

Como funcionou o processo eleitoral nas prisões?

Cada seção foi montada com três mesários, escolhidos entre servidores do Ministério Público, profissionais do sistema penitenciário (exceto agentes penitenciários) e advogados. A regra foi clara: ninguém com vínculo direto com a segurança da unidade poderia atuar como mesário, para evitar pressão ou manipulação. O sigilo do voto foi tratado como cláusula pétrea — o que significa que, mesmo dentro de uma cela, o eleitor tinha direito a uma cabine isolada, com urna física e papel de votação. O TRE-SP também garantiu acesso à propaganda eleitoral e à lista de candidatos, algo que nem sempre acontece em ambientes prisionais.

Os municípios contemplados incluem grandes centros como Guarulhos, São Paulo, Campinas e Ribeirão Preto, além de cidades menores como Itatinga e Tremembé. A logística foi complexa: não havia transporte externo, como nas eleições gerais. Cada eleitor votava onde estava — e isso limitou a participação, como veremos adiante.

Quem pode votar e por quê?

A Constituição Federal, em seu artigo 15, é categórica: apenas quem foi condenado com sentença transitada em julgado perde os direitos políticos. Presos provisórios — ou seja, pessoas ainda sem condenação final — mantêm o direito de votar e ser votadas. O mesmo vale para jovens internados por infrações cometidas na adolescência, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990). Esses jovens, mesmo sob medida socioeducativa, não são considerados criminosos no sentido penal — e, portanto, não perdem a cidadania.

A Resolução 23.736/2024 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabeleceu os critérios técnicos: é obrigatório ter pelo menos 20 eleitores aptos na unidade para instalar uma seção. Isso explica por que algumas prisões menores não tiveram urnas — e por que a logística foi mais difícil em eleições municipais, onde o eleitor não pode se transferir para outro município para votar, como pode nas eleições gerais.

Comparecimento surpreendente — e uma limitação estrutural

Os números são impressionantes: 2.047 dos 2.729 eleitores aptos compareceram no primeiro turno — 75%. No segundo turno, com menos seções (26) e menos eleitores (1.151 aptos), a adesão foi de 65%, ou 748 votos. Isso é mais do que o esperado. Em outros países, a participação de presos provisórios costuma ser baixa, por desconfiança, falta de informação ou desencorajamento institucional.

Mas há um detalhe crucial: nas eleições gerais de 2022, o TRE-SP instalou 85 seções e contou com 5.878 eleitores aptos. Por quê? Porque, naquele ano, era possível transferir temporariamente o eleitor para qualquer município onde tivesse domicílio eleitoral. Nas municipais, isso não é permitido. Ou seja: um preso de São Bernardo do Campo que tinha domicílio eleitoral em Osasco não pôde ir votar lá. Ficou onde estava — e só votou se houvesse seção na unidade onde estava detido. Isso reduziu drasticamente o potencial de participação.

Um esforço nacional — e uma realidade alarmante

Um esforço nacional — e uma realidade alarmante

A iniciativa de São Paulo não foi isolada. Em 17 de setembro de 2024, a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e liderada pelo ministro Anderson Torres, emitiu instrução formal a todas as unidades prisionais do país: "As autoridades públicas não poderão dificultar ou impedir o direito desses presos de votar e ser votado".

Os dados da Senappen, divulgados em dezembro de 2024, revelam uma realidade sombria: o Brasil tem 670.265 detentos. Desses, 182.855 — quase um quarto da população carcerária — são presos provisórios, aguardando julgamento. Em São Paulo, o número é ainda mais expressivo: 37.157 provisórios entre 205.984 detentos. Isso significa que, em quase um em cada cinco presos no estado, ninguém ainda decidiu se ele é culpado ou não — e mesmo assim, ele tem o direito de escolher quem governará sua cidade.

O que vem a seguir?

O TRE-SP já começou a analisar o relatório detalhado da Secretaria de Planejamento Estratégico e de Eleições. A próxima grande discussão será: como aumentar a participação? A ideia de permitir transferência temporária mesmo nas municipais, como em 2022, está na mesa. Outra proposta é instalar seções em unidades que tenham menos de 20 eleitores, agrupando-as por região. Ainda há desafios logísticos — e éticos. Como garantir que um preso não seja pressionado a votar em um candidato específico? Como evitar que a propaganda eleitoral seja usada como moeda de troca?

Essa é a fronteira mais delicada da democracia brasileira: garantir que os mais invisíveis — os que estão atrás das grades sem condenação — ainda tenham voz. E, apesar das dificuldades, eles vieram. E votaram.

Frequently Asked Questions

Por que presos provisórios podem votar, mas condenados não?

A Constituição Federal, no artigo 15, garante que apenas quem sofreu condenação criminal transitada em julgado perde os direitos políticos. Presos provisórios ainda são considerados inocentes até prova em contrário — e, por isso, mantêm todos os direitos civis, incluindo o voto. A lógica é de justiça: ninguém é punido antes de ser julgado.

Como foi garantido o sigilo do voto nas prisões?

Cada seção eleitoral dentro das unidades tinha cabines isoladas, montadas com materiais que impediam a visualização do voto. Mesários eram treinados para respeitar a privacidade, e os votos eram contados em ambiente controlado, com presença de representantes do Ministério Público. A operação foi auditada pelo TRE-SP, que não registrou nenhuma violação de sigilo.

Por que a participação foi menor nas eleições municipais do que nas gerais de 2022?

Nas eleições gerais de 2022, presos podiam ser transferidos temporariamente para votar em seu domicílio eleitoral, mesmo que estivessem em outra cidade. Nas municipais, isso foi proibido — só podiam votar na unidade onde estavam. Isso reduziu o número de seções e limitou a participação, já que muitos não tinham domicílio eleitoral na mesma cidade da prisão.

Quantos jovens internados votaram em 2024?

O TRE-SP não divulgou números separados para jovens internados, mas confirmou que eles estavam incluídos nos 2.729 eleitores aptos. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, eles têm direito pleno ao voto, mesmo sob medida socioeducativa. Ainda assim, a maioria dos eleitores nas seções prisionais eram adultos provisórios.

O que mudará nas próximas eleições municipais?

O TRE-SP está avaliando a possibilidade de permitir transferência temporária mesmo nas municipais, como em 2022. Também estuda agrupar unidades próximas para formar seções com mais eleitores, mesmo que individualmente não atinjam os 20 mínimos. A ideia é ampliar o acesso, sem abrir espaço para riscos de manipulação ou pressão.

Houve alguma tentativa de fraude nas seções prisionais?

Nenhuma fraude foi comprovada. O processo foi monitorado por promotores eleitorais, defensores públicos e observadores da sociedade civil. O TRE-SP relatou que o clima foi de seriedade e respeito, com baixa incidência de conflitos. A transparência e a imparcialidade dos mesários foram fundamentais para a credibilidade do processo.